Situação

Usuária relata constrangimento na Casa de Passagem

Vítima afirma ter sido insultada e se sentir ameaçada; Secretaria de Segurança e Polícia Civil investigam o caso

Jô Folha -

Um suposto caso de transfobia foi registrado na última segunda-feira (14) em Pelotas. Frequentadora da Casa de Passagem, que abriga pessoas em situação de vulnerabilidade social, Fernanda Canedo relata cenas de ofensas e insultos disparados por um guarda municipal que realiza o controle do local e afirma ter medo de voltar ao abrigo. Um inquérito foi instaurado pela Polícia Civil, após boletim de ocorrência. A prefeitura também afirma ter aberto investigação na Corregedoria da Secretaria de Segurança.

Em conversa com a reportagem do Diário Popular, Fernanda conta que durante o mês que utilizou a Casa sempre foi respeitada, assim como as outras quatro mulheres trans que buscam abrigo no local. Até então, a revista para ingresso era restrita aos pertences; situação que mudou nos últimos dias. Ela conta que na semana passada, após a chegada de um novo agente municipal, o cenário passou a ser outro. Ele teria a chamado para o interior da casa e revirado sua bolsa, ação que a pegou de surpresa.

Já na última segunda-feira a situação se agravou. Ao chegar ao abrigo, por volta das 19h, o homem teria revistado sua bolsa e a indagado quanto aos talheres que portava, usados para se alimentar na rua. "Se está dentro da tua bolsa é teu né? Pelo menos espero que seja teu!", teria dito ele. "Naquela hora, assim como ele subiu o tom de voz comigo, me incriminando, precisei falar de outra maneira também. Falei que era lógico, se eu estava com eles era porque eram meus, nunca iria colocar algo dentro da minha bolsa que não fosse meu", relata.

Logo após, uma revista íntima foi exigida. "Eu larguei a bolsa no chão e perguntei se ele estava de brincadeira comigo. Não pode eu, sendo mulher, e um homem querendo me revistar". Ela conta que diante da negativa, o agente, frente a todos no local, de forma alta e agressiva perguntava: "É mulher no documento? Deixa eu ver o documento".

Fernanda já possui documento com nome social, conforme decisão do Conselho Nacional de Justiça de 2018, que reconhece o direito das pessoas trans, independentemente de cirurgia de transgenitalização ou da realização de tratamentos hormonais, à substituição de nome e sexo diretamente no registro civil. E embora portasse o documento, o agente seguiu afirmando que Fernanda poderia ser considerada mulher perante a lei, mas na opinião dele não era vista desta maneira, uma vez que não havia realizado cirurgia.

A ação do guarda municipal causou medo em Fernanda, que precisou encontrar outro lugar para passar as noites e não voltou mais à Casa de Passagem desde o ocorrido. "Não fui porque me senti ameaçada. Invadiram meu espaço, os meus direitos e porque tenho certeza que se eu voltasse lá, ele poderia ter feito alguma coisa", desabafa.

Inquérito em andamento

Após o episódio, um Boletim de Ocorrência foi registrado na Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA), onde consta o fato como Homofobia/Transfobia. Agora, o caso está sob responsabilidade da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam).

Conforme a delegada Márcia Chiviacowsky, foi instaurado inquérito policial e atualmente as partes estão sendo ouvidas. Já a tipificação, em um primeiro momento, ficou em outros crimes, uma vez que o crime de homofobia ainda não possui lei específica. Nestes casos, a classificação varia entre injúria, preconceito, ou importunação, dependendo do caso concreto - explica a delegada.

Quanto à revista de agentes homens em mulheres, sejam elas cis ou trans, a delegada explica que também não há uma lei que impeça. O ato de busca pessoal em mulheres por agentes de segurança deve ser feito preferencialmente por outra mulher, como recomenda o artigo 249 do Código de Processo Penal. Em caso de prejuízo à ação policial, ou seja, a falta destas, o artigo prevê que agentes masculinos façam a revista.

Providências

O assunto chegou à Câmara de Vereadores e na terça-feira a vereadora Marisa Schwarzer (PSB) o levou à tribuna. À reportagem, ela afirma que conversou com o secretário de Segurança sobre o caso e que este se comprometeu a encaminhar à corregedoria para apuração. "É inaceitável uma postura dessa. A LGBTfobia é equiparada ao crime de racismo. A população trans, conforme eu venho alertando, é violada todos os dias. Penso que nós parlamentares e sociedade temos uma grande responsabilidade de reparar essas injustiças", reitera.

O que diz a prefeitura

O secretário de Segurança Pública (SSP), José Apodi Dourado, admite que o caso chegou ao conhecimento do município a partir da vereadora Marisa, que apresentou o registro do Boletim de Ocorrência. No entanto, não foi informado o nome e nem a descrição do agente, além de não haver queixa formal junto à Secretaria, o que, segundo ele, impossibilita a identificação do GM suspeito. Dourado, entretanto, afirma que foi aberta uma investigação na Corregedoria da Secretaria, a fim de apurar os fatos e as circunstâncias em que ocorreu. Caso se confirme, o município afirma que poderá estudar uma mudança no formato do serviço.

Quanto à revista no acesso ao abrigo, a prefeitura explica que o procedimento é feito por GMs que atuam de forma fixa e alguns de maneira alternada, porém devido ao baixo número de mulheres na corporação, não há agentes femininas fixas no local. Em contrapartida, o Executivo afirma que há educadoras sociais no local, que podem acompanhar a revista íntima, que deve ser realizada apenas em caso de extrema necessidade.

Conforme a Secretaria de Assistência Social (SAS), não há previsão da criação de abrigo específico para receber usuárias mulheres, cis ou trans. Porém, a partir do ocorrido o tema será discutido com a coordenação da Casa de Passagem e suas usuárias.

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